sábado, 27 de junho de 2009

O querer, o poder e eu


Queria ter uma opinião imparcial. Queria poder ser totalmente justa agora. Mas, não dá. Ao menos não quando justiça foi tudo o que não houve. Então, sou imparcial sim, injusta e revoltada. Que palhaçada foi essa do STF? Quer dizer que, para ser jornalista, ninguém precisa comprovar que ao menos possui a técnica de transmissão de informações? O que eles pretendem com isso? Porque esse papo de “essa lei foi imposta na época da ditadura e fere a liberdade de expressão proposta pela Constituição de 1988” não colou. Não mesmo.

Então, é assim que é. Eu estudo durante quatro anos, agüento abuso de professores sádicos, trabalhos carregados, discriminação dos estudantes dos outros cursos (que, não se sabe por que, não suportam estudantes de comunicação), além dos problemas estruturais do próprio curso e o descaso que as entidades responsáveis adoram demonstrar por nós.

Depois de passar por tudo isso, de cabeça erguida, procurando um motivo pra dizer “mas, nesse aspecto, o curso ainda vale a pena” e, quando finalmente acho, vem o STF e derruba não só a obrigatoriedade do diploma (que, ainda assim, não era garantia de emprego – muito menos bom emprego), mas com toda a construção de uma idéia e de um sentimento de pertencimento.

Fiquei arrasada, completamente devastada moralmente. Alguns choraram, outros dormiram mal, outros ainda nem se importaram. Mas, eu? Me importo sim e muito. Quer dizer que eu vou perder uma vaga de emprego para um marmanjo que mal acabou a quinta série e que vai escrever o que o patrão mandar? A manipulação agora vai ser mais fácil ainda? É isso mesmo, companheiro?

E de que servirão minhas leituras de Santaella, Orlandi, Muniz Sodré, Habermas, Horkheimer, Adorno, Mourin, Ciro Marcondes, entre tantos outros que minha falha memória não lembra, mas que, definitivamente, um aluno que nunca nem passou na porta de uma faculdade de comunicação não saberá quem são?

E toda a técnica que autores como Nilson Lage, por exemplo, nos ensinam em seus livros? Isso tudo se resumirá a redações de jornais e TV e a ética que se exploda?

E a ética, meu Deus? Se sabendo do código de conduta jornalístico, a ética é quase inexistente, imagine agora?

Os donos de conglomerados de comunicação (e políticos também, por que não?) estão satisfeitos com isso, afinal, manipulação sempre rimou com comunicação. Grupos políticos, agora sim vocês têm todo o poder que almejaram! E eu e você, caro leitor subjugado, onde ficamos? Quer saber mesmo?

segunda-feira, 15 de junho de 2009

Da impossibilidade do cotidiano

Eram 5h da manhã quando ela despertou. Sabia da hora só pelo costume, pois o relógio não funcionava há anos. Ainda estava frio e o branco da neblina matinal lhe dava a esperança de que poderia ser um dia bom. Entretanto, quando ela voltou à realidade, percebeu que seria apenas mais um dia de trabalho árduo. Preparou-se, então, com as mesmas cores de sempre: amarelo queimado, vermelho quase laranja, branco-preto, preto acinzentado, verde-bandeira e azul arroxeado.

Logo tomou seu destino, sem nem ao menos fazer o desjejum. Na verdade, desjejum era um sonho distante. Tão longíquo quanto o barrento caminho que tinha de percorrer durante a próxima hora. Quando deixou a casa, os raios iluminados já davam seus primeiros lampejos, ainda fracos o bastante para não machucá-la. Percalços como cães famintos quase cor de barro de tão desnutridos, acompanhavam os passos da igualmente barrenta mulher, além de encontrar eventuais poças de lama que lhe consumiam os pés e a fina sandália.

Às 6h30 ela chegou ao local de trabalho: a rodoviária da cidade de João Pessoa. O lugar é escuro demais, triste demais e é como se o espírito da morte sempre o rondasse. Mas isso, claro, não tem nada a ver com as negras fumaças dos ônibus ou os choros de despedidas inevitáveis ou até mesmo o cinza gélido que escorre dele a cada chuva que cai sobre a cidade.

Lá, ela encontrou seus colegas de trabalho, alguns tão coloridos quanto ela, outros mais monocromáticos, mas todos iguais na função. Foi tomar seu lugar na prosa pré-expediente, a barriga gritando por um pouco de atenção. “Será que hoje vai ter movimento?”, indagou um deles. “Sempre tem, ô sequelado!”, respondeu um dos impacientes, curiosamente monocromático, apesar de leves resquícios azuis em sua camisa.

Às 8h00, todos estavam prontos para o trabalho. As ondas de calor já eram facilmente identificadas, contudo todos os transeuntes aparentavam total imparcialidade com esse fato. Não apenas com isso, mas também com os trabalhadores que os abordavam a cada cinco minutos. Alguns se irritavam mais rapidamente, outros simplesmente ignoravam. Como ela previu, o dia seria bastante árduo.

Respostas como “Não!” e “Mais tarde eu passo aqui” eram muito frequentes. Geralmente, esses eram os educados. Havia outros que ameaçavam até partir para o ato violento caso não fossem deixados em paz. Esses eram os mal educados. E, assim, a manhã passou, com alguns ganhos, mas nem tantos.

Ao meio dia, ela contou uns trocados para saber se tinha o suficiente para o almoço. Há 24 horas que ela havia comido e a fraqueza no corpo já era sentida intensamente. Viu que a quantia era satisfatória e foi à lanchonete mais próxima. Ah, comida! Podia sonhar com o sangue suculento da carne mal passada, o arroz tão alvo como algodão e o marrom bonito do feijão. Quase podia sentir o cheirinho agridoce do molho do macarrão e a frescura das verduras.

Ao chegar à lanchonete, mal entrou e um dos empregados a convidou para se retirar. Indignada, ela pergunta fracamente: “Mas por que, eu estou morrendo de fome, moço, e tenho dinheiro pra pagar, ó” e aponta para as moedas em suas mãos sujas. “Esse é um lugar limpo e asseado, se quiser comer, coma na calçada!”, respondeu energicamente o sujeito. Ela, de tanta fome, aceitou a condição imposta e sentou-se ao lado da entrada do estabelecimento.

Somente às 14h, quando o sol castigava sua pele maltratada e o vento quente dificultava a respiração, ela foi servida. A comida dos seus sonhos, porém, permaneceu no mesmo canto. A comida, mais fria do que os passantes da rodoviária, quase não sentava o estômago. Mesmo assim, deu-se por satisfeita e voltou à rodoviária.

A tarde demorou a passar. A quentura daquele dia superou a dos outros dias e todos os profisionais estavam demasiadamente entorpecidos, tanto pelo calor como pelos químicos, para poderem suportar tal temperatura contrastante com as gélidas pessoas ao redor. No entanto, quando a noite finalmente resolveu cair, um friozinho bom tomou conta do lugar.

Antes que ficasse tarde demais, ela voltou para casa. No caminho de volta, tropeçando por mal poder ver onde pisava, a escuridão foi surpreendida por uma intensa luz, indo ao encontro da pobre mulher. A luz avança e avança e, ao se aproximar da mulher, pára. Era um carro e, dentro, um homem querendo informações de como sair dali. Ao que é respondido com um “É impossível sair daqui, moço.” E, só pra não perder o costume, pergunta: “Tem um trocado aí que me ajude, moço?”.